Vovô.
E quella a me: "Nessun maggior dolore
che ricordarsi del tempo felicene la miseria; e ciò sa ‘l tuo dottore.”
Dante Alliguieri
Sorria. Vovô sorria e parecia feliz com toda a parentela a sua volta, em quanto rangiam as pernas de madeira da cadeira. Seu sorriso tinha algo de distante que todos preferiam entender como a alegria de conhecer Marcela, a mais nova integrante da família. Em seu colo a deitaram, enquanto Laura se mantinha a seu lado com uma mão sempre atenta para o amparo da recém-nascida. Era bom ver vovô em um ambiente jucundo, mesmo que no fundo eu soubesse bem que sorria como quem chorava, pois vovô sempre brincara dizendo que, segundo o velho sábio, sua mediocridade e imperfeição o impediam de experimentar sentimentos intensos. Mantinha os olhos fixos em Marcela, como quem se perde na observação pueril de um animalzinho se contraindo e expandindo com a entrada do ar insistente. Os olhos delidos de vovô quase não piscavam a não ser quando o flash da câmera de Nino, tão insistente como o ar, teimava em registrar cada suspeita de nova expressão, fosse de Marcela, fosse de vovô. Olha, vovô, ela está sorrindo – e Laura – não, Nino, ainda não sorri, não sorriem até os 3 meses, são contrações musculares, apenas. Vovô sorri.
Tiram-lhe Marcela do colo, há cheiro, é hora de trocá-la, chama a Ana. Vovô levanta os olhos e encontra os meus. Sorri novamente, agora sim, sorri, sorri de reconhecer seu primeiro neto, talvez o único de quem se lembre. Sei que vovô se lembra de mim. Fui seu primeiro neto, o conheci ainda vigoroso, dono de suas decisões, quando pai ainda o obedecia. Depois de mim, vieram Cláudia e Pedro. Pedro às vezes seria Paulo, então. Não, vovô, Paulo sou eu. E pai se separaria de mãe. Viriam Ana, Marcos, Laura. Seis netos, eram muitos para lembrar o nome de todos, brincava vovô para irritar-me. Mas meu nome, jamais trocava. Estavam os outros netos, filhos de Flávio e os de Miriam. Eram tantos netos, crianças a princípio, que rondavam vovô impaciente, brincalhão às vezes, severo outras. Aos poucos são adultos e já não lhe impacientam. Eles é que perdem a paciência com vovô, não, vô, eu sou Pedro. Depois, já não importa se Pedro é Pedro, Marcos, Flávio ou Pai. Pois agora chega Mauro, filho de Pedro. Seu primeiro bisneto, Mauro às vezes seria Paulo, mas Paulo sou eu, e vovô sabe que Paulo sou. Mauro morre, tragédia na família, Pedro tem uma atitude tão positiva. Claro que está triste, mas conta a vovô que deve seguir adiante. E segue, logo vem Rodrigo, segundo filho, mas filho primogênito, Pedro não quer que Rodrigo saiba de Mauro, ferida que cicatrizaria a duras penas na carne de Rodrigo, criança mimada que nem o deixavam tocar Tico, cão vacinado, banhado e vermifugado da casa. Rodrigo roubara sem saber a primogenitura e por ela pagaria caro. Mas logo vieram, Sandra, Mario (nome de vovô, mas que vovô jamais recordaria), Ana Laura (falta de criatividade de Marcos, homenagear assim as irmãs) e Rodrigo virou bisneto discreto, o primeiro (segundo), tão educado, quieto e comportado. E agora Marcela.
Vovô olha-me e se lembra de meu nome, seus olhos o soletram, esse eu sei quem é.
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