sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Genesis (versão livre) - 2001

Antes não existia nada a não ser o vazio. Deus, num dia de agitação espiritual, dessas que nos tiram da cama para regurgitar algumas idéias mal paridas, decidiu criar o mundo. Lembremos que dia de agitação foi só força de expressão, pois ainda não existia dia e Deus, todo-poderoso, jamais se agita (a não ser por uma dessas ligeiras coceguinhas perante algum sacrifício e certo sangue). Deus viu que tudo era escuro e, então, ordenou: Faça-se a luz.

Então Deus viu que o que havia feito era bom. Os mais incrédulos poderão, em um ato de insubordinável heresia, questionar como foi que Deus viu que era escuro antes escuridão, se não havia luz e sem a luz não há escuridão. Ou, ainda, como soube que aquilo era bom se tudo que existia era o vazio, não podendo haver bom nem ruim, bem nem mal. A esses hereges destemidos lembremos que Deus, o todo-poderoso, tudo sabe e pode.

Bem, seguiram-se cinco dias de inúmeros “faça-se isto, faça-se aquilo” até o dia em que o nosso senhor merecidamente descansou. Fez o dia e a noite, a terra, o mar e o céu, os animais terrestres, os peixes e as estrelas, peixes do céu. E fez também o mais impressionante de seus feitos... Após tantas façanhas gloriosas, Deus, finalmente deu-se o luxo de um momento de pouca modéstia. E foi neste momento que Deus pensou: "Sou realmente incrível". Depois dessa constatação inegável, decidiu criar um ser a sua semelhança. Decidiu dar-lhe a capacidade de raciocinar para que reinasse entre os outros animais, mas decidiu não dar-lhe o conhecimento para que jamais soubesse que era apenas um animal e que nu estava e os demais segredos de sua divina providência. Tomou um pouco de terra do chão e displicentemente, ainda embalado naquele sentimento de auto-confiança absoluta, deu-lhe um sopro de vida. Tínhamos lá, então, o homem, um ingenuote nu a andar pelo paraíso comendo, dormindo, urinando e defecando tal qual fazia o próprio Deus, já que admitimos que criou este curioso ser a sua semelhança e, convenhamos, esta não se restringe somente à barba. Deus passou então alguns momentos divertidos vendo uma sua criação reproduzindo seus gestos e seus atos. Era como ter seu próprio miquinho adestrado.

Mas Deus notou que o homem andava um pouco triste e cabisbaixo. Viu que seu miquinho herdara também sua imensa solidão, a solidão de um Deus único, todo-poderoso, cuja única companhia eram uns anjos sem graça que nem sexo tinham. Decidiu, então, mitigar o suplício daquele ser errático e tão só.

Certamente, Deus poderia ter tomado outro punhado de terra do chão e soprado uma bela mulher, mas por seus inescrutáveis desígnios, preferiu arrancar uma costela do homem e fazê-la a partir dela, para que esta jamais esquecesse de sua inferioridade e varresse sempre do chão do homem o pó que poderia ter se tornado mulher.

Tínhamos, então, o seguinte cenário: um homem e uma mulher nus no paraíso a comer, dormir, urinar e defecar sem qualquer outra preocupação.

Deveriam apenas reproduzir, mas esta é uma que Deus não quis que soubéssemos com precisão. Uns dizem, hereticamente, que também a libido seria uma semelhança com Deus, outros, mais doutos, afirmam que é a parta animal que Deus fez questão de impor ao homem e à mulher.
Mas isso tudo não tinha a menor importância, pois ambos eram capazes de pensar, um mais, outra menos, mas não possuíam o conhecimento do bem e do mal.

Deus, entretanto, decidiu criar uma árvore cujo fruto guardaria em seu âmago todo o conhecimento. As razões para esse ato não são bem conhecidas, como aliás, devemos lembrar, trata-se de uma pretensão claramente herética tentar entender os divinos desígnios, pois, claro está, são inacessíveis para nós. No entanto, nossos antepassados há muito já provaram do fruto proibido e deitaram a perder toda a inocência que lhes cabia. Nós, herdeiros de tantos pecados e heresias, não podemos deixar de especular por que enfim decidiu depositar todo o conhecimento em tal fruto. Talvez, novamente o mais incrédulos pudessem atribuir o fato a certa incontinência do próprio criador, diante da herculana tarefa de guardar tamanho segredo, dando vazão a um traço marcante de seu lado feminino. Outros afirmam, porém, que se tratava de um teste para sua criação. Outros, ainda, especulam que Ele queria que o seu miquinho soubesse que era um simples miquinho. Seja qual for a razão que motivou Deus a enfiar todo o saber em uma singela maçã, o fato é que Ele proibiu a todos de prová-la.

O homem, obediente e ingênuo, jamais sequer cogitou a idéia de contrariar seu criador e tudo estaria como estava se ele não tivesse sido vilmente enganado. A mulher, por outro lado, mostrou-se menos temente a Deus, o que era de se esperar de um ser feito a partir da costela de outrem, e, estimulada pela serpente, ser vil que naquele então era capaz, não apenas de falar, mas de argumentar com imbatível retórica, provou do fruto proibido e fez com que o homem o provasse também.

Como se de repente lhes houvessem aberto os olhos para a civilização, o homem e a mulher se viram nus, frente a frente, e ainda sem entenderem bem o ocorrido sentiram estranhas contrações no ventre. Fez-se o desejo. O homem se atirou brutamente sobre a mulher que inicialmente relutou, mas logo cedeu. Foram 45 minutos de prazer sem limite ou interrupção. Rolaram pelo chão, seus lábios se mesclavam, a língua, o suor... e finalmente o gozo. Urraram, gritaram e gemeram como nenhum outro humano havia antes feito, literalmente. Olharam-se ainda pasmos e, após alguns instantes, afastaram-se e procuraram abruptamente esconder suas agora vergonhas com as primeiras folhas, de parreira nesse então, que vieram à mão. Fez-se enfim a culpa.

Foi quando Deus, o todo-poderoso apareceu e perguntou o que havia ocorrido. Ele que tudo vê, onipotente e onipresente, não vira nada daquilo. Estava distraído a contar as ondas do mar, mas ao vê-los cobertos e cheios de pudor, logo deduziu o que ocorrera. Furioso exigiu uma explicação.
O homem, desconcertado, logo saiu-se com que não sabia que se tratava do fruto proibido e que a mulher o tinha feita provar, o que era a mais pura verdade.

Já a mulher, abandonada em sua culpa que a invadira vigorosamente, defendeu-se afirmando que a maldita cobra a havia enganado, dizendo-lhe que não havia mal algum em provar do fruto, pois não era justo que Deus não quisesse que ninguém mais soubesse o que só ele sabia.
Deus, inclemente, puniu a víbora, fazendo com que rastejasse para sempre - não se sabe até hoje como se locomovia antes da insolência. Também fez com que ela e a mulher se tornassem inimigas para sempre para que não voltassem a tramar outras insurgências.

O homem tampouco mereceu perdão, apesar da pouca culpa que lhe cabia. Afinal o homem e a mulher estavam para sempre maculados, conheciam o bem e o mal e não poderiam permanecer no paraíso. Deus então os expulsou para sempre de lá. No paraíso tinham tudo que precisavam ao alcance da mão. Agora precisariam trabalhar e suar para obter daquela terra imunda seu árduo sustento.

Continua... algum dia...