quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Esperança

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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A ponte

Em um determinado momento aquela ponte pareceu imensa, intransponível para qualquer ser de naturais forças. Olhou para trás e retornar pareceu-lhe uma tarefa igualmente ingente. Retornar garantiria um caminho certo, sem percalços outros que aqueles já conhecidos. Mas se desistisse jamais saberia o que havia do outro lado. Lembrava-se bem das palavras do sábio, o único que conhecera que já tinha visto o além-ponte. Seus pés descalços já tinham incômodos calos que insistiam pelo fim da jornada. Seis dias já havia que andava, ao sétimo o sábio descansou. Faltava pouco, não poderia desistir agora. O sábio dizia-lhe que as frutas do outro lado eram mais doces, havia flautas que soavam melodias inauditas a cada novo passo, fadas nuas ao nosso dispor, doces como as uvas, puras e tenras quais bezerras, ninfas inocentes e perversas, tudo a um tempo. Não havia fome ou sede nem gula nem excessos, pois a justa moderação dava a cada desejo saciado seu devido jazigo. Se voltara, foi porque não era um homem para tamanha harmonia.

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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"árvore analógica"

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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Texturologias*

Dos seis trabalhos críticos citados, dá-se uma breve síntese somente de seus respectivos enfoques.

Xarope de Pato, poemas de José Lobizón (Horizontes, La Paz, Bolívia, 1974). Resenha crítica de Michel Pardal no Bulletin Sémantique, Universidade de Marselha, 1975 (traduzido do francês).

Poucas vezes nos fora dado a ler um produto tão paupérrimo da poesia latino-americana. Confundindo tradição com criação, o autor acumula um triste rosário de lugares comuns que a versificação só consegue tornar mais ocos.

Artigo de Nancy Douglas em The Phenomenological Review, Nebraska University, 1975 (traduzido do inglês):

É obvio que Michel Pardal trata erroneamente os conceitos de criação e tradição, na medida em que esta última é a soma decantada de uma criação pretérita e não pode ser oposta de modo algum à criação contemporânea.

Artido de Boris Romanski en Sovietskaya Biéli, União dos Escritores da Mongólia, 1975 (traduzido do russo):

Com uma frivolidade que não engana sobre suas verdadeiras intenções ideológicas, Nancy Douglas carrega a fundo o prato da balança mais conservador e reacionário da crítica, pretendendo frear o avanço da literatura contemporânea em nome de uma suposta “fecundidade do passado”. O que tantas vezes fora recriminado injustamente à literatura soviética, torna-se agora um dogma dentro do campo capitalista. Não é justo, então, falar de frivolidade?

Artigo de Philip Murray em The Nonsense Tabloid, Londres, 1976 (traduzido do inglês):

A linguagem do professor Boris Romanski merece uma qualificação, ainda generosa, de jargão das dúzias. Como é possível enfrentar a proposta crítica em termos perceptivelmente historicistas? O professor Romanski acaso viaja ainda em caleça, sela suas cartas com cera e cura seus resfriados com xarope de marmota? Dentro da perspectiva atual da crítica, não é tempo de substituir noções de tradição e criação por galáxias simbióticas, tais como, "entropia histórico-cultural" e "coeficiente antropodinâmico"?

Artigo de Gérard Depardiable em Quel Sel, Paris, 1976 (traduzido do francês):

Albion, Albion, fiel a ti mesma! Parece incrível que do outro lado do canal que pode cruzar-se a nado apareça e persista involuído rumo à ucronia mais irreversível do espaço crítico. É óbvio: Philip Murray não leu Saussure, e suas propostas polissêmicas são definitivamente tão obsoletas como as que critica. Para nós, a dicotomia ínsita no contínuo espacial do decurso escriturante se projeta como significado a termo e como significante em implosão virtual (demoticamente, passado e presente).

Artigo de Benito Almazán em Ida Singular, México, 1977:

Admirável trabalho heurístico o de Gérard Depardiable, que tão bem merece ser classificado de estruturalógico por sua dupla riqueza ur-semiótica e seu rigor conjuntural em um campo tão propício ao mero epifonema. Deixarei que um poeta resuma premonitoriamente estas conquistas textológicas que anunciam já a paramentainfracrítica do futuro. Em seu magistral livro Xarope de Pato, José Lobizón diz ao término de um extenso poema:

Coisa uma é ser o pato pelas plumas
Coisa outra ser as plumas desde o pato.


Que mais acrescentar a esta deslumbrante absolutização do contingente?

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* Tradução do conto Texturologías de Cortázar

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