quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

reflexão sobre um clichê e nada...

A frase está longe de ser exatamente um clichê, porém difundiu-se de tal modo em nossa cultura que corre sim o risco de passar para o grupo das máximas irrefletidas do discurso cotidiano. “Só sei que nada sei". Em geral, a citação emerge em um ato de humildade intelectual que pretende acentuar os limites de nossa parca sabedoria.
Mas se a retirarmos do marasmático pântano das máximas e o submetermos a um crivo hermenêutico, não poderíamos extrair-lhe outro sentido? Atenhamo-nos às palavras agora e à lógica que conotam. A postura humilde de quem reconhece a grandeza da sabedoria ou das coisas diante de nossa pequena capacidade é uma possibilidade interpretativa. Outra, porém, seria apontar o paradoxo que suscita. Se "só sei” que "nada sei", eu “sei algo”, portanto é falso dizer que nada sei. É uma afirmativa que se invalida no próprio enunciado. É semelhante à afirmação de que toda verdade é falsa. Nesse caso, se toda verdade é falsa, é falso dizer que toda verdade é falsa, o que abre o precedente para que esta frase seja verdadeira. Mas se esta frase for verdadeira, invalida-se por si só. E se eu dissesse então “só não sei tudo”? Novamente se invalidaria, pois se são só não sei tudo, tudo está fora de meu conhecimento e, portanto, não seria correto dizer que "só não sei tudo", pois há todo um mundo de outras coisas que não sei.
Tudo que isto demonstra é que tem muita gente que não tem mais o que fazer e prefere embaralhar as palavras a deixá-las cristalizadas em orações sempiternas e estéreis, eu sei. Nada do que foi dito tem qualquer fundamento, mas tem a prerrogativa de não aceitar tudo a priori, submeter até mesmo as mais preciosas pérolas ao crivo crítico. Não é esta uma bela homenagem ao método socrático?

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