terça-feira, 9 de agosto de 2011

"Ontem"*

Ontem, aos 27 anos, morreu uma cantora idolatrada pela geração dos vinte de hoje, ratificando, assim, certo apelo estético da morte no auge da juventude. Não faltam em gerações anteriores mitos similares, Hendrix, Joplin, Marley, Dean, Morrison, etc. Em biografias, ou deveria dizer necrografias, tudo parece bastante poético.
E, hoje, andando aqui, com minha cabeça calva e meus arduamente alcançados 35 anos, em uma cidade tomada por jovens em seus vinte e algo, todos indignados e nutrindo uma secreta inveja pela morte precoce da cantora, sinto-me obrigado a padecer de uma estranha culpa por ainda estar vivo.
O que fazes aqui ser vil, se a rigor já não mais te desenvolves e só te resta esperar e perecer? Contempla apenas...
E por um desses estranhos desígnios de jornadas etílicas, termino a noite em um bar sentado com um sujeito desconhecido de 36 anos e três garotas de no máximo 20 anos. Conversamos, eu sei. Até nos entendemos. O sujeito se chama Jivago, "como o doutor do filme", comento, e ele anui. Maíra, uma das meninas, diz que não viu o filme, é muito longo, mas como um professor da faculdade – talvez Jivago, talvez eu – o recomendou, ela assistiu a algumas cenas no youtube. Conversamos quase secretamente sobre filmes, trocamos bergman por scola, fellini por godard. Vou embora com a estranha sensação de carregar um cemitério nos ombros, um cemitério pútrido e indigno. Enterro-me nele, ouvindo uma música de Cohen, “living for nothingness, hope you’re keeping some kind of record...” e comovendo-me (secretamente) com algumas páginas de Borges.

* Carta escrita no dia 25 de julho para Luciane Godinho da Silva.