quinta-feira, 24 de março de 2011

Fascinante o idioma (para nós, chatos de plantão!)

Fascinante o idioma.
Ontem procurava uma palavra mais interessante para dizer “tedioso".
Pensei em “noioso” que em italiano significa tedioso e fui consultar o “Uais" (este ilustre e útil mineiro que destronou o “zorélio”). Grata surpresa descobrir que nojo significa também tédio! Nojoso significa tedioso. Claro que é um sentido obsoleto e no português contemporâneo prevalece o sentido de asco. Mas alguém precisa fazer o trabalho sujo de remover as camadas de poeira e espremer velhos e esquecidos sentidos, por que não eu?
O mais interessante, contudo, é encontrar nos idiomas que falo com mais frequência (espanhol, português e italiano) palavras iguais ou semelhantes com sentidos tão diferentes. Ao pesquisar no dicionário, evidentemente a raiz etimológica é a mesma. No entanto, o uso derivado depende completamente da aplicação que um determinado povo lhe reserva. Cabe lembrar que para um argentino, ler um jornal espanhol equivale a uma aventura gastronômica de descobrir novos sabores para velhos pratos. O mesmo ocorre com um brasileiro ao ler um jornal português e vice-versa.
Hoje, por exemplo, encontrei a palavra pedestre em um livro em espanhol. Tendo vivido sempre a cultura argentina, eu conhecia a palavra “peatón”, empregada com mais frequência. No Brasil, a palavra usada é pedestre. Consultando o dicionário da RAE, outra grata surpresa. Embora pedestre signifique o mesmo que “peatón”, tem também uma derivação pejorativa, significando algo vulgar, de baixo nível ou inculto. Daí seu desuso em prol da palavra peatón, muito provavelmente. Claro que esta descoberta me motivou a consultar o "Uais" sobre a definição de pedestre em português. Foi ainda mais agradável descobrir que pedestre em português também pode ter um sentido figurado similar (sem brilho, rústico, modesto). Lembrei-me imediatamente de alguns poemas de um poeta cujo nome não recordo que fala da faixa de pedestre como o retorno à vida cotidiana, rotineira. Eis que estava tudo ali, ao alcance da mão, sob capas duras ou de bits de informações. E para melhor tudo, a palavra usada em Portugal para pedestre parece ser peão (corrijam-me se eu estiver errado, lusos colegas).
Há muitos outros exemplos, como a palavra talher (português) e taller (espanhol). Ambas significam utensílios utilizados para serviço de mesa, mas em espanhol prevalece seu uso como oficina ou local onde se exerce um determinado ofício ou atividades escolásticas (por exemplo, taller mecánico). Há muitos outros exemplos, que poderiam tomar horas de leitura de dicionários (quem diria, Moisés?!). Isso mostra como o idioma é um processo vivo, que certamente depende de regras e esforços dos puristas, mas não pode ser um mero instrumento estéril e imune à história. Fascinante? Talvez para alguns tudo isto seja “nojoso", tema demais pedestre para ocupar os mais elevados “talleres”. Fazer o quê? Para isso estamos nós, os chatos de plantão!

quarta-feira, 23 de março de 2011

Reflexão importada do facebook

Questão filosófica 1:
O bem comum pode existir em detrimento do bem individual?
segunda às 22:34 · Somente amigos ·CurtirCurtir (desfazer) · · Exibir comentários (14)Ocultar comentários (14)

Carol Schmitt Ferro curtiu isto..
Luciane Godinho da Silva o coletivo é uma abstração, só existe o indíviduo. e o desenvolvimento coletivo só acontece a partir do do individual. aí tem borges e anaïs nïn. apropriei-me.
há 23 horas · CurtirCurtir (desfazer).
Javier Cencig Então, para falar concretamente, coloquemos a seguinte questão:
há 19 horas · CurtirCurtir (desfazer).
Javier Cencig São duas da manhã e uns caras da prefeitura vêm arrumar o asfalto na minha rua com uma britadeira que faz uma baita barulheira e deixa um cheiro horrível. A justificativa é que precisam fazer isso de noite para não atrapalhar o trânsito de dia. A pergunta é: se é para arrumar a rua para todos e evitar congestionamentos de dia, é justo que me interrompam o sono (e a alguns vizinhos)? A questão parece simples e pontual, mas tem grandes desdobramentos filosóficos que explorarei em função das respostas :)
há 19 horas · CurtirCurtir (desfazer).
Carol Schmitt Ferro Resposta 1: Ainda bem q não deu pra ouvir aqui (pensamento individualista).
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Carol Schmitt Ferro Resposta 2: Realmente o transito de são paulo merece ruas melhores (coletivo)
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Carol Schmitt Ferro R 3: o bairro do Brooklin merece uma melhor pavimentação (pensamento bairrista)
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Carol Schmitt Ferro Ou seja, mesmo o que parece coletivo é analisado subjetivamente, prezando o individual...
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Javier Cencig Pensemos nos seguintes cenários:
1 - O bem comum é a soma do bem individual de todos os membros de uma comunidade.
Nesse caso, não seria possível o bem comum em detrimento do bem individual
Se eu não posso dormir, não há bem comum
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Javier Cencig Cenário 2:
O bem comum equivale ao bem da maioria.
Eles trabalham a noite para não atrapalhar o trânsito (maioria) mesmo que isso implique atrapalhar o sono dos vizinhos (minoria).
Seria possível o bem comum em detrimento do bem invidual.
PORÉM.......Ver mais
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Javier Cencig Cenário 2-a:
Porém se em vez de ser um ator-doado, eu fosse um controlador de voo e, por ter perdido uma noite de sono, sete aviões se chocassem, a maioria já não seria o contingente de motoristas que usam esta rua para fugir do trânsito da ...Bandeirantes.Ver mais
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Javier Cencig Isso quer dizer que a definição do que é prioritário (para a maioria) é um tema político que não se resolve com meras equações.
há 12 horas · CurtirCurtir (desfazer).
Javier Cencig E se desdobrássemos ainda mais o argumento de que bem comum equivale a bem da maioria, seria legítimo e viável pensar que São Paulo seria uma cidade melhor (para a maioria) se eliminássemos 20% da população, o que, por sua vez, legitimaria o extermínio ou a expulsão dessa população da cidade. O raciocínio é o mesmo.
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Javier Cencig Por isso, é perigoso equiparar bem comum a bem da maioria.
Quais critérios devem ser usados?
O sofrimento de um justifica o bem estar da maioria?

Curtiu? A maioria sim, :)

terça-feira, 22 de março de 2011

Citações

Há quem faça citações para legitimar uma opinião, para ilustrar um discurso, para preencher espaço em teses, etc.
Aqui faço esta citação, porque fui eu que escrevi o texto, mesmo que o Cortázar o tenha escrito vários anos antes, remexendo naquela tal bacia. Segue:

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Teria sido tão fácil organizar um esquema coerente, uma ordem de pensamento e vida, uma harmonia. Bastava a hipocrisia de sempre, elevar o passado ao valor de experiência, tirar partido das rugas na cara, do ar vivido que há nos sorrisos ou nos silêncios de mais de quarenta anos [ou quase]. Depois, a gente colocava um paletó azul, penteava as têmporas prateadas [últimos redutos filíferos] e entrava em exposições de pintura, na Sade e no Richmond, reconciliado com o mundo. Um ceticismo discreto, um ar de estar de volta, uma entrada cadenciosa na maturidade, no matrimônio, no sermão paterno na hora do churrasco ou do boletim escolar insatisfatório. Digo isso porque eu vivi muito. Eu que viajei tanto [nem tanto]. Quando eu era jovem. São todas iguais, sou eu quem está dizendo. Falo por experiência, meu filho. Você ainda não conhece a vida.
E tudo isso tão ridículo e gregário podia ser pior ainda em outros planos, na meditação ameaçada pelos idola fori, as palavras que falseiam as intuições, as petrificação simplificadoras, os cansaços nos quais lentamente vamos tirando do bolso do paletó a bandeira de rendição. Podia ocorrer que a traição se consumasse em uma perfeita solidão, sem testemunhas nem cúmplices: mão com mão, acreditando estar além dos compromissos pessoais e dos dramas dos sentidos, além da tortura ética de saber-se ligado a uma raça ou pelo menos um povo e uma língua. Na mais completa liberdade aparente, sem ter que prestar contas a ninguém, abandonar o jogo, sair da encruzilhada e meter-se em qualquer um dos caminhos da circunstâncias, proclamando-o o necessário e o único. A Maga era um desses caminhos, a literatura era outro (queimar imediatamente o caderno, mesmo que Gekrepten retorcesse as mãos), a preguiça era outro e a meditação completamente em vão era outro. Parado em frente a uma pizzaria de Corriente, mil trezentos e algo, Oliveira se fazia as grandes perguntas: “Então, devemos ficar como o cubo da roda na metade da encruzilhada? Para que serve saber ou pensar saber que cada caminho é falso se não o caminhamos com um propósito que já não seja o próprio caminho? Não somos Buda, pô, aqui não há árvores para sentar-se na postura de lótus. Vem um tira e te dá uma multa.”
Caminhar com um propósito que já não seja o próprio caminho.