domingo, 25 de setembro de 2011

Citações de Albert Claiman

Albert Claiman foi um dos poetas mais brilhantes e pessimistas de meados do século passado. Desafortunadamente (ou não) pouco antes de sua morte, episódio que em si merecerá um verbete à parte, devido a sua controvérsia, ateou fogo a todos os seus manuscritos. Tudo que se atribui hoje a sua autoria consiste, na verdade, em citações resgatadas por alguns poucos conviventes, dentre os quais Deborah Zimmerman, Sergio "El Perro Loco", Domingues Pereyra, Sara Weis (sua eterna amante), entre outros de menor intimidade. Evidentemente, o grau de precisão destas citações reside em memórias carregadas de afeto, na contribuição individual de cada uma das testemunhas e na passagem do tempo que tanto desgasta ou transforma as tradições orais. Tal é o efeito do tempo sobre os referidos testemunhos, que há hoje entre os estudiosos impiedosos e ávidos por objetividade das novas gerações que chegam a questionar a existência de Albert Claiman e atribuem seus versos a criações de um imaginário coletivo. Recuso-me a aceitar este questionamento, por considerá-lo um ultraje às penas que um homem conheceu, a suas dores, seus amores, suas alegrias, suas iras. É uma ofensa covarde diluir na história sentimentos tão pungentes, depois que uma anima se converte em datas de verbetes. É um ato vil com o qual não compartilho. Por isso, passei a publicar aqui alguma destas valorosas citações e lhes restituo sua total autoria, pois não podemos aceitar que sejam amareladas páginas as únicas capazes de afiançá-la!

Já citei anteriormente uma de suas frases que, segundo Deborah Zimmerman, teria sido proferida em uma discussão em um café quando se lhe cobrava explicações sobre sua falta de progresso profissional e o descaso que apresentava em relação a sua carreira. Outra observação importante a respeito desta citação é que, ainda segundo Deborah Zimmerma, deu-se à época em que Sara sofreu um aborto espontâneo do que seria o primeiro e único filho de Claiman.
“Agora que fracassei em tudo na vida, já posso viver”, teria dito.

Hoje, menciono outra de suas colocações, um pouco mais pueril, o que se explica pela precocidade com que foi pronunciada, segundo atesta El Perro Loco. Aos 16 anos teria dito a um professor de moral e cívica que lhe cobrava mais empenho:

“Inglória esta luta, na melhor das hipóteses, morre-se, na pior... também. Isso compreendi, assim que aprendi [há dúvidas a respeito desta frase, pois Albert nunca se mostrou especialmente afeito a rimas] minha primeira palavra. E todas as outras, que poetas se esmeram em versificar, devem-se a isto também. Se falam da beleza da rosa ou do lírio do campo, não é a beleza da rosa ou do lírio do campo que louvam, mas a urgência dessa beleza efêmera" – Albert Claiman, 1946.

domingo, 4 de setembro de 2011

A tentativa de Silvério

Teria sido tão fácil organizar um esquema coerente, uma ordem de pensamento e vida, uma harmonia. Bastava a hipocrisia de sempre, elevar o passado ao valor de experiência, tirar partido das rugas na cara, do ar vivido que há nos sorrisos ou nos silêncios de mais de quarenta anos... - Cortázar (em algumas das 2000 páginas)


Silvério podia dizer que havia tentado, sim. Um esquema coerente e decente, 8 horas no escritório, funcionário exemplar. Aos poucos ganhou no escritório e perdeu-se nele, mas isto é capítulo nojoso, para outra ocasião. Silvério acelerou sua bicicleta, freou ao aproximar-se da esquina e decidiu empiná-la, de criança o fazia com tanta graça, por que não tentar. Levantou a roda dianteira uma vez e esta apenas respingou algumas gotas do chão molhado antes de pousar violentamente no asfalto. Não era tão difícil, lembrava. A segunda tentativa foi um pouco melhor e a roda despegou do solo algo mais que trinta centímetros e como a terceira costuma ser a definitiva, concentrou-se no movimento e arremeteu o guidão com o máximo de força. O galhardo movimento, para espanto dos motoristas que a seu lado esperavam o sinal trocar de cor, desenhou uma perfeita parábola no ar, até atingir os perfeitos noventa graus. No entanto, Silvério já não era tão leve e ágil e em vez de retornar a roda ao solo com a mesma galhardia continuou o movimento para deter-se unicamente quando suas nádegas se apoiaram sobre o empoçado asfalto que acrescentou uma interessante onomatopéia à já pitoresca cena. Sabendo-se observado, Silvério deitou-se na poça e levantou o bicíclico ser o mais que pôde, deixando-o paralelo ao seu corpo, formando, assim, uma interessante figura circense. O sinal abriu e os carros lentamente, ainda curiosos com a peripécia do ciclista, arrancaram, até que Silvério se erguesse e pudesse perceber que seu traje se encontrava absolutamente encharcado.